25 de dezembro de 2010

Práticas sabáticas - I

O casal viajou rumo ao interior do Estado. Numa pousada na montanha vivenciaram muita paz e harmonia. Chegando o sábado os dois se dirigiram ao saguão, deixaram as chaves do quarto e perguntaram onde ficava a Igreja Adventista. A recepcionista explicou o trajeto e disse:

- O dono da pousada é adventista e eu também sou!

Espantado o homem perguntou:

- Adventista? Dono de uma pousada que funciona no sábado? É pecado!

A recepcionista retrucou:

- Não estou entendendo... Quer dizer que servir no sábado e receber por isso é pecado? E a situação de vocês, que são servidos no sábado e ainda pagam por isso? Não é pecado?

Enéias Teles Borges

8 de dezembro de 2010

A César o que é de César...

"Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus."( Mateus 22:21)

Um conhecido meu, numa roda de amigos, dizia que não entendia porque algumas pessoas não devolviam o dízimo. Perguntei-lhe: "Você o faz"? Ele respondeu: "Sim, devolvo, em média, mil e quinhentos reais por mês". Eu comentei: "Vale dizer que você tem resultados líquidos médios mensais de quinze mil reais, certo?" Ele respondeu: "Sim". Fiz outra pergunta: "Quanto você recolhe de imposto de renda, em média, por mês?" Resposta: "Nada. Meu contador tem um jeitinho e não pago".

Concluí, dizendo para ele e para todos os presentes: "Sabe por que muitas pessoas não devolvem o dízimo? Pelo mesmo motivo pelo qual você não recolhe imposto. À luz da interpretação bíblica a fidelidade compreende Deus e César". Emendei: "No seu caso, pelas alíquotas no Brasil, o valor do imposto de renda deveria ser maior que o valor do dízimo..."

Sei que estou chovendo no molhado. Sou advogado, teólogo e contador. Sei bem como a fidelidade é respeitada pela metade. Sei também como os que se dizem dizimistas apontam o dedo para os demais e quase sempre o dedo está sujo. Nunca ouvi pregadores, leigos e assalariados, proferindo discursos sobre a fidelidade e ensinar que é igualmente obrigatório o pagamento do imposto. Nunca os ouvi dizer que as coisas feitas pela metade não agradam a Deus. Nada contra o dízimo e sim a favor do imposto. Ou a fidelidade é por inteiro ou não.

Não adianta dizer que não há reciprocidade do Governo. Quem disse que a obrigação de recolher imposto está vinculada a isso? Jesus, por acaso, questionou a tirania e corrupção de Roma? O dízimo deve ser devolvido simplesmente porque foi determinado, assim como ocorre com o imposto. Alguém quer questionar o sentido do verso bíblico, nos ensinamentos de Jesus?

Quem poderia explicar isso (procedimento cumprido pela metade)? Os membros da FCFA (Fé Cega e Faca Amolada)...

 
Enéias Teles Borges

20 de novembro de 2010

A volta dos que não foram...

Ficamos felizes com o seu retorno!” Já ouviram frase assim? Ela geralmente é dita às pessoas que depois de algum tempo aparecem lá na comunidade dos fiéis. É como se uma ovelha desgarrada voltasse ao redil. O redil é um meio impregnado de tradição e julgamento baseado em comportamentos padronizados.

Normalmente a resposta que deve ser dada, por aquele ser que se ausentou conscientemente, deveria ser: “Não retornei porque nunca fui. Nunca fui porque jamais estive...” É claro que estou me referindo ao engajado racional. O engajamento racional é aquele vivido por indivíduo que admite ter nascido num contexto, gostar dele, mas que não atribui a este modo de viver o título de ser o único. Único no sentido de que os demais carecem de legitimidade. É lógico concluir, portanto, que se os demais carecem de legitimidade resta apenas o único. O único é justamente o tal redil.

É preciso exercitar a coragem antes de afirmar: “Não retornei porque nunca fui. Nunca fui porque jamais estive...” Reagir assim é assumir racionalmente que existe a possibilidade de simplesmente (e ideologicamente) ter nascido no lugar errado, se é que existe tal lugar. Reagir desta forma é ter disposição para conceder aos outros a possibilidade da legitimidade. O engajado racional, observando que o contexto no qual cresceu é bom (socialmente), que nele cresceu e que a ele se acostumou, faz da frequência a tal contexto um ato de prazer. Não havendo prazer ele se afasta e um dia reaparecerá com uma esperança: a de que aquele meio tenha voltado a ser agradável.

O que torna um contexto agradável? O lugar, as pessoas, os objetivos comuns, o respeito e quetais... Viver num contexto bom não significa, necessariamente, abraçar sua ideologia religiosa. É admitir que em geral os ambientes vividos por famílias religiosas são bons, assim como são bons os ambientes habitados por pessoas não religiosas e respeitadoras das regras do bom viver social. É algo cultural! A religião sem engajamento racional é apenas uma cultura de cunho religioso sistematizado. Nada mais que isso! É óbvio que para concordar com a esta assertiva é preciso enxergar além dos muros do castelinho dourado...

Isto posto concluo: aquele que reaparece num contexto político-social-religioso não retornou ideologicamente pelo simples fato de que nunca dele se foi. Quem não foi jamais poderia retornar. E porque não foi? Porque ideologicamente jamais esteve.

É algo como “estar de corpo presente, mas com a alma distante...”
 
 
Enéias Teles Borges
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4 de novembro de 2010

Caixinha de porcelana

Os textos abaixo foram extraídos do blogue Convictos ou Alienados?, do mesmo editor deste aqui. Foram três postagens que alcançaram índice de leitura altíssimo. Reproduzo-o na íntegra. As postagens originais, naquele blogue, foram nos dias 11/12/13 de novembro de 2008.

Caixinha de porcelana - I

A caixinha de porcelana é um objeto bonito, mas frágil. A delicadeza dessa obra de arte cativa aos que a têm nas mãos ou apenas ao alcance dos olhos. Formosura, nostalgia e fragilidade.

A caixinha de porcelana, num plano figurado, é utilizada para descrever um mundo à parte do mundo real. Trata-se de um mundo maravilhoso. Oásis de sonhos cuja perspectiva remonta à poesia. Viver numa caixinha de porcelana é viver na ante-sala do paraíso. Quem vive lá? Poucos e felizes. Felizes e distantes do universo do entorno da mágica caixinha de porcelana.

O mundo na caixinha de porcelana é lindo, mas sua formosura não exclui sua fragilidade. O porém é que os habitantes da caixinha de porcelana não conseguem enxergar tal fragilidade. Fazem mais: não entendem porque as pessoas que moram fora da caixinha não entram nela. Por quê? Perguntam de forma insistente...

Os “aborígenes” da caixinha de porcelana não notam o óbvio: a caixinha é pequena. Não é possível que todos caibam nela. Os que moram nela não param para concluir que nem mesmo seus filhos têm guarida garantida lá...

Aqueles que lotearam a caixinha de porcelana nem se dão conta de que existe outro mundo lá fora. Mundo real e imenso. Mundo cheio de variações e derivações. Mundo cheio de gente. Gente com alma!

Por não se darem conta (dessa realidade) versam comentários acerca dos que moram no mundo cão! Consideram absurda a maneira como vivem os habitantes de fora. Esperam que todos tenham uma vida semelhante à forma como eles vivem - os “felizardos” habitantes do reino mágico da caixinha de porcelana.

Na caixinha vêem Deus. Lá fora enxergam o caos. Na caixinha vislumbram os céus. Lá fora, de binóculo, descortinam as mazelas do inferno. Na caixinha têm uma rotina doce e suave. Lá fora notam o absurdo da vida real...

Existe algo no reino dos que estão fora que não há no mundinho da caixinha de porcelana. Cá fora é possível ver de forma integral a formosura da caixinha de porcelana e também a sua fragilidade. Lá dentro é impossível enxergar o que ocorre cá fora. O que se consegue é detestar o mundo real como se este existisse apenas para obliterar o sol que lança seus raios...

Os que habitam a caixinha de porcelana vivem como se ignorassem a pujança daquele mundo aparentemente sem Deus, mas com vigor suficiente para elevar e destruir. Destruir inclusive a caixinha de porcelana...

Caixinha de porcelana - II

Olhando de cima para baixo é possível, para quem está fora da caixinha de porcelana, enxergar algo indescritível. Não existe apenas aquela caixinha. Existem muitas! Centenas! Milhares!

Todas com seus contextos próprios, regras próprias, costumes próprios. As caixinhas não se comunicam. É como se não soubessem da existência das demais ou como se as ignorassem. Em cada mundinho de porcelana o que vale mesmo é o que está por lá, somente ali.

A forma de acreditar em cada caixinha é fundamentada na confiança. Como todos os que residem em cada mundinho confiam nos seus líderes, neles depositam seus sagrados procedimentos. A convicção não tem como suporte o estudo diligente, individualizado e contextuado, mas o confiar em quem fala e instrui.

Principalmente por esse tipo de procedimento a caixinha de porcelana é frágil. Basta uma simples sugestão que denote a inconsistência dessa maneira de acreditar para que a linda caixinha se desfaça em milhões de pedaços.

E a caixinha, quando se despedaça, permite que os novos “moradores sem teto” enxerguem o que sempre existiu além daquela tênue fronteira: o mundo real com suas belezas e feiúras.

Eis a questão: é possível assistir à caixinha ruir e depois sobreviver conservando os mesmos princípios dantes valorizados e entronizados? É possível sobreviver à avalanche de novas informações que aparentemente conspiram contra ideais arraigados e ainda assim manter a suposta retidão que existia?

Os mundinhos de porcelana são estratagemas antigos atualizados e direcionados para a alienação coletiva das massas bem intencionadas e/ou ignorantes. Surgiram de propósito? Pode até ser que não, mas a conclusão negativa não obsta o que se pode ver e que sempre se viu: caixinhas e mais caixinhas de porcelana que existem como se fossem pequenos mundos, com regras próprias, métodos particulares e divindades sob medida.

Caixinha de porcelana - III

A pergunta que alguns podem fazer é essa: “Alguma coisa contra os grupos detentores de filosofia de vida fechada?” A resposta é: “Não!” Nada contra qualquer tipo de procedimento individual ou coletivo, desde que não atente contra os princípios básicos de civilização. Não é esse o ponto!

Acontece que os habitantes das caixinhas de porcelana têm um costume de determinar que o comportamento deles é o comportamento ético correto e que todas as demais pessoas da face da terra necessitam ser iguais a eles. Eis aí o grande problema! Partindo do pressuposto que existe certa razão nisso surge uma pergunta inquietante: em face da diversidade de caixinhas de porcelana, qual seria a que os povos deveriam adotar?

Não é um problemão?

Essa peculiaridade é a que mais incomoda no mundinho das caixinhas de porcelana. Cada caixinha se julga paradigma para as demais e para todos os que estão fora de qualquer tipo de caixinha. Comportamento correto? Justo? Inocente? Arrogante?

Uma caixinha de porcelana só tem acesso a uma única fonte referencial: ela mesma! Daí considerar que as demais são entes equivocados não seria um absurdo? Como dizer que as demais estão erradas? Partindo exclusivamente do pressuposto de que ela, caixinha em tela, está correta?

No mundinho da caixinha de porcelana o mundo real se confunde com o mundo ideal e aí podemos ver, de forma solidificada, a estante existente em cada caixinha de porcelana: a estante na qual estão acomodados os vidrinhos de pílulas. As pílulas alienantes que são oferecidas às criancinhas desde a mais tenra idade...

E tudo em nome de Deus? Pergunta que insiste em não calar...

Com esse terceiro tópico paramos, por hora, com esse assunto. Foram três textos sob o título “umbigo do mundo” e mais três sob o título “caixinha de porcelana”.

Agradeço a você, leitor amigo, pelo alto índice de aceitação.


Enéias Teles Borges - Autor
-

24 de setembro de 2010

Sobre Mateus 28:19

Eu li um texto (indicarei logo mais), que trata de um tema que foi importante em minha vida durante longo tempo. Lembro-me, saudoso, dos anos que fiz a faculdade de Teologia, de 1982 a 1985. Diziam que eu era um aluno brilhante, um argumentador seguro. Nunca me preocupei tanto com isso. Eu queria mesmo era debater com convicção, o que eu entendia ser a verdade. Eu confiava piamente em meus mestres professores e por conta disso eu defendia os arrazoados e postulados deles como se fossem meus.

Tempos depois, com outra faculdade nas costas (Direito) e mestrado quase concluído e à espera da dissertação (Filosofia), concluí o que de momento considero óbvio: depois de recuar ao século II depois de Cristo eu notei que meus discursos eram escudados em "verdades" menos importantes. Mateus 28:19 é um desses temas, que depois de um passeio ao século II da nossa era, transforma-se em perda de tempo (minha opinião, depois de anos de reestudo).

Quem já fez busca pela origem e motivação dos dogmas entende o que quero dizer. O recuo, no tempo, nos leva a eventos históricos importantes e contundentes. Chega a ser de pequena importância pensar em pessoalidade (quantitativa e qualitativa) de Deus. Os discursos mil, apresentados pelos teólogos em geral, perdem importância diante de fatos históricos. A origem dos dogmas é algo que precisa ser considerado por todos os que buscam a verdade cristã (aquela verdade primeira que começou a ser desvituada nos primórdios do Cristianismo). Lamentavelmente os teólogos que atualmente são formados nas faculdades do Brasil têm base histórica e filosófica muito pequena (não por incapacidade, mas por falta de ênfase na origem) e por esse motivo não param para mensurar os efeitos impactantes, da história cristã primitiva, nos credos apresentados hoje. Mateus 28:19, à luz do que tento propor, é de pequena importância, no quadro geral. Insisto: antes de julgar o que digo, separe alguns anos para reestudar o Cristianismo a partir dos eventos do século II da nossa era. Tentar criticar sem  fazer tal reestudo é, no mínimo, temerário...

Ainda que eu tenha feito essa singela introdução, com o fito de sugerir um estudo mais abrangente, eu apresentarei, abaixo o texto do qual falei no início. Para aquele que quer acreditar, sem pesquisar, o texto é muito bom. Para os que querem manter a postura atual, tendo como ponto de partida "o querer acreditar" o texto cai como uma luva. Mais adiante tentarei trazer um texto que contraponha o atual, por uma questão de coerência. Todos os lados devem ser vistos e ouvidos...

O texto a seguir foi extraído da seguinte fonte: [michelsonperguntas]. Copiei e colei na íntegra, conforme adiante seguirá.


É verdade que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19) não foram escritas por Mateus, mas foram acrescentadas pela Igreja Católica?

Mateus 28:19 é um dos textos bíblicos mais frequentemente utilizados para defender a doutrina da Trindade. Mas alguns grupos cristãos que não creem nessa doutrina afirmam que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” não estavam no texto original. Examinaremos os principais argumentos utilizados em defesa dessa teoria.[1]

1. Manuscritos do Novo Testamento – Aqueles que dizem que Mateus 28:19 foi modificado argumentam que, de acordo com o texto original, o batismo deveria ser realizado “em Meu [de Jesus] nome”. Ao examinarmos essa teoria, precisamos nos lembrar de que o Novo Testamento foi escrito originalmente no idioma grego, mas nenhum manuscrito redigido pelos próprios autores bíblicos chegou até nossa época. Porém, são conhecidos mais de cinco mil manuscritos antigos que contêm o Novo Testamento em seu idioma original. Assim, podemos ter certeza de que, ao longo de dois mil anos, Deus preservou Sua Palavra.[2]

De acordo com os estudiosos, a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” aparece em todos os manuscritos antigos do evangelho de Mateus. Por outro lado, não existe nenhum manuscrito em que apareçam as palavras “em Meu [de Jesus] nome” ou qualquer outra expressão.[3]

Esse fato é confirmado pelas mais importantes obras sobre o assunto: a edição do Novo Testamento grego e a obra oficial que possui comentários sobre esses manuscritos.[4] Outra importante obra, International Standard Bible Encyclopedia, declara que “as credenciais textuais [de Mt 28:19] são suficientemente sólidas”,[5] ou seja, não há dúvidas sobre o texto original de Mateus 28:19.

As palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” aparecem também em todas as traduções antigas do evangelho de Mateus ou do Novo Testamento completo, tais como a Peshitta Siríaca, a Vulgata latina, a Copta e as versões eslovacas. É interessante observar que os cristãos sírios e coptas (que possuíam sua própria tradução do Novo Testamento) não estavam ligados à Igreja Católica Romana, mas aceitavam essa passagem bíblica como autêntica. Após analisar esses fatos, um estudioso afirmou: “É incrível que uma interpolação desse caráter tenha sido feita no texto de Mateus sem deixar qualquer traço de sua inautenticidade em um simples manuscrito ou versão [tradução]. A evidência de sua genuinidade é esmagadora.”[6]

À vezes é dito que o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em hebraico ou aramaico. As pessoas que afirmam que Mateus 28:19 foi modificado alegam que, no evangelho escrito nesses idiomas, Jesus ordenava que o batismo deveria ser efetuado “em Meu nome”. Mas essa teoria deve ser rejeitada por várias razões: (1) até hoje não foi encontrado nenhum fragmento hebraico ou aramaico desse evangelho; (2) “o grego de Mateus não apresenta qualquer indício de ter sido traduzido do aramaico”; e (3) existem muitas evidências de que Mateus utilizou o evangelho de Marcos, escrito em grego, para escrever seu próprio evangelho.[7]

Alguns mencionam uma versão de Mateus em hebraico traduzida por George Howard, que contém as palavras “em Meu [de Jesus] nome” em Mateus 28:19. Argumenta-se que esse texto apresenta o texto exato do evangelho em seu idioma original. No entanto, o texto traduzido por Howard é do século 14 e, portanto, muito tardio para ser utilizado como evidência das palavras originais do evangelho. Além disso, essa versão pertencia a um judeu que a utilizou em livros que atacavam a fé cristã. Portanto, esse suposto evangelho em hebraico é muito tardio, de segunda mão e pertencia a um crítico do cristianismo.[8]

Apesar disso, outros dois textos em hebraico de Mateus (Du Tillet e Münster), que são aproximadamente da mesma época que o de Howard, contêm a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Mesmo que admitíssemos que esse evangelho tivesse sido escrito originalmente em hebraico ou aramaico, não há evidência de que as palavras de Mateus 28:19 fossem diferentes do texto que conhecemos.

2. Antigos escritores cristãos – Outra maneira de saber quais eram as palavras exatas que apareciam nos textos originais do Novo Testamento é ver como eram citados pelos autores cristãos que viveram pouco tempo depois dos apóstolos. Aqueles que afirmam que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado dizem que esses autores citavam a passagem sem as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Os documentos históricos, no entanto, mostram que todas as vezes em que os antigos escritores cristãos se referiam a Mateus 28:19, eles citavam as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Os exemplos incluem a Didaquê, um manual doutrinário para candidatos ao batismo, produzido entre 70 e 100 d.C.; Inácio de Antioquia (50-110 d.C.); Justino Mártir (100-165 d.C.); Taciano, o Sírio (120-180 d.C.); Irineu de Lyon (130-200 d.C.); Tertuliano de Cartago (150-220 d.C.); Hipólito de Roma (170-235 d.C.); Orígenes (185-253 d.C.); Cipriano (morreu em 258 d.C.); Dionísio de Alexandria (morreu em 265 d.C.); Vitorino de Pettau (morreu em 303 d.C.) e os autores do Tratado Contra o Herege Novaciano e do Tratado Sobre o Rebatismo.[9]

Outro argumento comum contra a autenticidade de Mateus 28:19 se baseia nos escritos de Eusébio de Cesareia (265-339 d.C.), historiador cristão que viveu na época do imperador Constantino. Várias vezes ele citou Mateus 28:19 com as palavras “em Meu [de Jesus] nome”. Os estudiosos observam, entretanto, que Eusébio tinha o hábito de citar a Bíblia de forma bastante imprecisa.[10] Por isso, suas citações não são utilizadas para se determinar as palavras exatas do Novo Testamento.

Em realidade, Eusébio citava Mateus 28:19 de três maneiras diferentes: (1) “Ide e fazei discípulos de todas as nações”; (2) “Ide e fazei discípulos de todas as nações em Meu nome”; e (3) “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. É importante observar que Eusébio jamais citou o texto como se esse ordenasse o batismo “em Meu nome”, mas fazer discípulos em Meu nome.

Alguns afirmam que, antes do Concílio de Niceia (325 d.C.), Tertuliano citava o texto da primeira e segunda formas e, depois do Concílio, citava da terceira forma. Esse argumento possui várias falhas: (1) ao contrário do que geralmente é dito, o Concílio de Niceia não discutiu a Trindade, mas a relação de Cristo com Deus, o Pai; (2) Mateus 28:19 não era um texto utilizado nas discussões sobre a Trindade e a natureza de Cristo na época de Eusébio; e (3) Eusébio utilizou cada uma das três formas antes e depois do Concílio de Niceia.

Além disso, ao mencionar o texto de Mateus 28:18-20, Eusébio combinava-o com Mateus 10:8; 24:14; Marcos 16:17; Lucas 24:47 e João 20:22. Portanto, ele não citava as palavras de Mateus 28:19 de forma isolada, mas mesclava todas essas passagens. As palavras “em Meu nome” derivam de Marcos 16:17 e Lucas 24:47.[11]

3. A Bíblia de Jerusalém – Aqueles que defendem que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado costumam citar uma nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a respeito dessa passagem. A nota afirma: “É possível que em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar ‘no nome de Jesus’ (cf. At 1,5+, 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.”[12] De acordo com os defensores da teoria que estamos analisando, essa citação afirma que o evangelho de Mateus originalmente não continha as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Para que essa nota de rodapé seja entendida corretamente, precisamos nos lembrar de que as introduções e notas da Bíblia de Jerusalém foram escritas por estudiosos católicos e protestantes que interpretam as Escrituras por meio do método histórico-crítico. Esse método afirma (1) que os autores da Bíblia não produziram um livro completamente harmônico, mas repleto de contradições históricas e teológicas; (2) que a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas apenas contém a Palavra de Deus (ensinos corretos) mesclada à palavra dos seres humanos (falsos ensinos resultantes da sociedade primitiva); (3) que, antes de serem escritos, os textos bíblicos circulavam de forma oral, e muito de sua exatidão foi perdida; (4) que a Bíblia foi escrita não apenas por profetas, mas pelas comunidades em que eles viviam; (5) que essas comunidades selecionaram, escreveram, corrigiram e acrescentaram textos aos escritos originais dos profetas e apóstolos; e (6) que o leitor da Bíblia não deve aceitar como correta a declaração de um texto bíblico até que ele seja confirmado pela ciência ou pela história. Não podemos aceitar esse método, pois cremos que a Bíblia é a Palavra escrita de Deus e não contém falsos ensinos humanos (Mt 5:17-18; Mc 7:13; Jo 10:35; 2Tm 3:16; 2Pe 1:20-21).[13]

Segundo os adeptos desse método, os evangelhos muitas vezes não apresentam as palavras autênticas de Jesus, mas as adaptam conforme a necessidade e as crenças (corretas ou incorretas) dos cristãos que escreveram cada evangelho. Muitas narrações e milagres foram inventados ou distorcidos com o objetivo de ensinar lições morais a seus leitores. Para esses estudiosos, o evangelho de Mateus terminou de ser escrito depois da morte desse apóstolo. Mateus já havia escrito as partes essenciais do evangelho, mas o texto foi ampliado pelos líderes da igreja local fundada por ele. E, nesse processo, diversas histórias e ensinos falsos acabaram por entrar no evangelho.

A compreensão dos adeptos do método histórico-crítico a respeito de Mateus 28:19 é apresentada, por exemplo, pelo Anchor Bible Dictionary. Esses estudiosos admitem que o evangelho original de Mateus ensina “o batismo no nome da Trindade (28:19), ordenado pelo ressurreto Filho do homem”[14] e “a menção da Trindade na fórmula batismal”.[15] Porém, eles argumentam que essa “não é uma declaração autêntica de Jesus nem mesmo uma elaboração de uma declaração de Jesus sobre o batismo”.[16] Em outras palavras, o evangelho de Mateus afirma que Jesus pronunciou essas palavras, mas, em realidade, isso jamais aconteceu.

Os defensores da teoria argumentam, ainda de acordo com o Anchor Bible Dictionary, que “Mateus 28:19 representa a convicção do evangelista de que sua igreja [comunidade local] praticava o batismo de acordo com a vontade de Jesus e reflete a fórmula batismal ali utilizada”.[17] Ou seja, a igreja local onde foi escrito esse evangelho batizava “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Na tentativa de justificar essa prática, o evangelho afirma, de maneira enganosa, que essa havia sido uma ordem dada por Jesus.

Christopher Stead argumenta que Mateus não estava “relatando palavras autênticas de Jesus; o que, sem dúvida, a passagem deixa claro é que a fórmula triádica [a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”] era, nesses termos, aceita e usada numa influente comunidade cristã algum tempo antes de 100 d.C. (já que, ainda que o Evangelho [de Mateus] fosse datado de um pouco mais tarde, dificilmente o escritor poderia estar introduzindo uma novidade)”.[18] A ideia defendida é a mesma que aparece no Anchor Bible Dictionary.

Aqueles que afirmam que o texto de Mateus 28:19 foi modificado citam vários outros livros, principalmente enciclopédias, que apresentam a mesma teoria que a Bíblia de Jerusalém, o Anchor Bible Dictionary e Christopher Stead. Mas não podemos aceitar o que é dito por essas fontes, pois se baseiam no método histórico-crítico para analisar esse versículo. Além disso, ao contrário do que fizemos no início deste artigo, nenhuma dessas fontes cita qualquer autor antigo para apoiar suas conclusões. Em outras palavras, são meras suposições sem qualquer fundamento histórico.

À luz desses fatos, a nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a respeito de Mateus 28:19 pode ser facilmente compreendida. Citamos novamente o texto em discussão e acrescentamos comentários entre colchetes: “É possível [no método histórico-crítico há poucas certezas e muitas suposições] que em sua forma precisa, essa fórmula [que está no evangelho de Mateus; em momento algum a nota nega esse fato] reflita influência do uso litúrgico [da cerimônia do batismo] posteriormente fixado [a expressão surgiu não quando Jesus a proferiu, mas muito tempo depois] na comunidade primitiva [a igreja local de Mateus]. Sabe-se que o livro dos Atos [escrito antes da destruição do templo, em 70 d.C.] fala em batizar ‘no nome de Jesus’ (At 1,5+, 2,38+). Mais tarde [na igreja de Mateus, no fim do primeiro século] deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.”

De acordo com os adeptos do método histórico-crítico, não é porque Jesus assim havia ordenado que a comunidade de Mateus batizava “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Ao contrário: o evangelho falsamente atribui a Jesus essas palavras porque aquela comunidade já as utilizava. Portanto, de acordo com esses estudiosos, não foi o ensino de Jesus que determinou a prática dos cristãos, mas a prática dos cristãos que determinou o suposto ensino de Jesus.

Não podemos concordar com a nota da Bíblia de Jerusalém sobre Mateus 28:19, pois ela argumenta que Jesus não pronunciou as palavras registradas nesse versículo. Mas a citação não afirma que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” não estavam no texto original do evangelho. Aqueles que defendem a teoria que analisamos distorcem a declaração da Bíblia de Jerusalém.

Conclusão

As evidências mostram, de maneira unânime, que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (1) aparecem em todos os manuscritos gregos do evangelho de Mateus e, portanto, estavam no texto original; (2) sempre foram citadas exatamente dessa maneira pelos antigos escritores cristãos; e (3) não têm sua presença no evangelho de Mateus negada pela Bíblia de Jerusalém ou por fontes semelhantes. Portanto, a teoria de que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado pela Igreja Católica não possui qualquer fundamento.

Aqueles que, contra todas as provas, insistem em rejeitar a autenticidade de Mateus 28:19, deveriam considerar as advertências de Deus contra o desprezo a qualquer parte das Escrituras (Mt 5:17, 18; Mc 7:9-13; Ap 22:19). A respeito daqueles que confiam em Sua Palavra, o Senhor declara: “A este Eu estimo: ao humilde e contrito de espírito, que treme diante da Minha Palavra” (Is 66:2, NVI).

(Matheus Cardoso é editor associado da revista Conexão JA e editor assistente de livros na Casa Publicadora Brasileira)

Referências:

[1] Para mais informações sobre a autenticidade de Mateus 28:19, veja as seguintes pesquisas acadêmicas disponíveis na internet: Vander Ferraz Krauss, “A Fórmula Batismal de Acordo com Mateus 28:19” (monografia, Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, Instituto Adventista de Ensino do Nordeste, 2004); Tim Hegg, “Mateus 28:19: Uma investigação crítica-textual [sic]”; Mark Clarke, “Textual Evidence and the Great Comission”.

[2] Para estudo sobre a história e confiabilidade dos manuscritos do Novo Testamento, ver Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento (São Paulo: Editora Vida, 1998); Bruce M. Metzger e Bart Ehrman, The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration (Nova York: Oxford University Press, 2005).

[3] Ver, por exemplo, Benjamin J. Hubbard, The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning: An Exegesis of Matthew 28:16-20, Society of Biblical Literature Dissertation Series, v. 19 (Missoula, MT: Scholars’ Press, 1974); J. Schaberg, The Father, the Son and the Holy Spirit: The Triadic Phrase in Matthew 28:19b, Society of Biblical Literature Dissertation Series, v. 61 (Chicago: Scholars’ Press, 1982); Donald A. Hagner, Matthew 14-28, Word Biblical Commentary, v. 33b (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1995), p. 880-881.

[4] Erwin Nestle e Kurt Aland, eds., Greek-English New Testament (Stuttgart: Deutsche Bibelgessellschaft, 1994), p. 87; Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament (Nova York: United Bible Societies, 1994).

[5] G. W. Bromiley, “Baptism”, em International Standard Bible Encyclopedia, ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), v. 1, p. 411.

[6] Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel of Matthew (James Family Reprint, s/d), p. 432.

[7] Hagner, Matthew 14-28, p. xiv.

[8] George Howard, Hebrew Gospel of Matthew (Macon, GA: Mercer University Press, 1995).

[9] Didaquê 7.1-3; Inácio, Aos Filadelfos 9, em The Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to A. D. 325 (daqui em diante, ANF), ed. Alexander Roberts e James Donaldson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1967), v. 1, p. 85; Justino Mártir, Primeira Apologia 61, em ANF, v. 1, p. 183; Taciano, o Sírio, Diatessaron 55; Irineu, Contra Heresias 3.17.1, em ANF, v. 1, p. 444; Tertuliano, Prescrições Contra os Hereges 20, em ANF, p. 3, p. 252; idem, Contra Práxeas 26, em ibid., p. 623; idem, Sobre o Batismo 6, 8, em ibid., p. 672, 676; Hipólito, A Tradição Apostólica 21; Contra a Heresia de um Certo Noeto 14, em ANF, p. 5, p. 228; Orígenes, Comentário de Romanos 5.8; Cipriano, Epístolas 24.2, em ANF, p. 5, p. 302; 62.18, em ibid., p. 363; 72.5, em ibid., p. 380; idem, Tratados, 12.2.26, em ibid., p. 526; idem, Sétimo Concílio de Cartago, em ibid., p. 567, 568, 569; Dionísio de Alexandria, Primeira Carta a Sisto, Bispo de Roma 2; Vitorino de Pettau, Comentário Sobre o Apocalipse do Bendito João, 1.15 em ANF, v. 7, p. 345; Tratado Contra o Herege Novaciano 3, em ANF, p. 5, p. 658; Tratado Sobre o Rebatismo 7, em ANF, p. 5, p. 671. Todas essas referências estão disponíveis no site da Christian Classics Ethereal Library.

[10] Hubbard, The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning, p. 151-175.

[11] G. R. Beasley-Murray, Baptism in the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1988), p. 82.

[12] Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 2002), p. 1.758.

[13] O uso do método histórico-crítico pela Bíblia de Jerusalém pode ser visto, por exemplo, nas introduções ao Pentateuco (p. 21-31), a Provérbios (p. 1.020-1.021), a Isaías (p. 1.237-1.239), a Daniel (p. 1.244-1.246) e aos quatro evangelhos (p. 1.690-1.694). Para uma introdução ao método histórico-crítico, ver Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e Seus Intérpretes: uma breve história da interpretação (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), p. 183-195, 241-244. Uma análise crítica desse método pode ser encontrada em Gerhard F. Hasel, Teologia do Antigo e Novo Testamento: questões básicas no debate atual (São Paulo: Academia Cristã, 2007).

[14] Lars Hartman, “Baptism”, em The Anchor Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman (New York: Doubleday, 1992), v. 1, p. 584.

[15] Ibid., p. 590.

[16] Ibid., p. 585.

[17] Ibid., p. 590.

[18] Christopher Stead, A Filosofia na Antiguidade Cristã (São Paulo: Paulus, 1999), p. 142.
 
 
Nota do Editor: Falo de minha experiência. Defendi a tese acima com igual segurança. A pedido de amigos, entre eles pastores, resolvi reestudar o tema. O ponto de partida não foi a concepção da Igreja Adventista do Sétimo Dia, da forma como fui instruído. Adquiri material de trabalho e refiz o estudo do Cristianismo a partir do seu início, que me pareceu claro e definido, no espaço de tempo um pouco antes do Século II da nossa era. Foi interessante rever, agora com mais argumentos: (a) a maneira como os credos foram formados. (b) A maneira como credos foram descartados. (c) A meneira como os credos foram acomodados. Foi interessante usar os mecanismos utilizados no estudo filosófico para tentar enxergar "o tudo". A doutrina da Trindade é uma que apareceu, como surgiram muitas outras. A discussão é longa. Os argumentos são equivalentes. Cada um poderá escolher no que vai crer. Em geral quem crê de um jeito não muda de lado. O essencial, e este é o meu objetivo, é mostrar que um estudo mas abrangente e sem medo, torna a discussão deste tema (Mateus 28:19) sem muita importância. Não apenas este, mas quase todos os credos que se formaram a partir daquele período - ao qual me refiro

Enéias Teles Borges - Editor
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2 de setembro de 2010

Amálgama: homem e besta

Amálgama, tema que não cala

A afirmação da Sra. White acerca do amálgama entre seres humanos e bestas era, não só uma das mais controvertidas que ela já fez por escrito, mas também uma das mais embaraçosas para a igreja. Em 1864, a Sra. White escreveu o seguinte:

"Mas se há um pecado acima de todo outro que atraiu a destruição da raça pelo dilúvio, foi o aviltante crime de amálgama de homem e besta que deturpou a imagem de Deus e causou confusão por toda parte."

"Toda espécie de animal que Deus criou foi preservada na arca. As espécies confusas que Deus não criara, resultantes da amálgama, foram destruídas pelo dilúvio. Desde o dilúvio, tem havido amálgama de homem e besta como pode ser visto nas quase infindáveis variedades de espécies animais e em certas raças de homens."

Nestas afirmações, a Sra. White descreve o amálgama como "um pecado" bastante grave para requerer "a destruição" da raça humana. Ela diz que era um "aviltante crime," que "deturpou a imagem de Deus." Diz que ocorreu tanto antes como depois do "dilúvio", e que seus efeitos podem ser vistos "em certas raças de homens."

A afirmação da Sra. White parece indicar que ela cria que a união sexual entre seres humanos e bestas antes e depois do dilúvio produziu espécies diferentes, amalgamadas. Este era um antigo mito que circulava entre pessoas incultas no século dezenove, mas que não tem base científica. Na realidade, a ciência tem demostrado que é impossível que a união entre seres humanos e animais produza descendência.

O fato de que o mito do amálgama circulava em princípios do século dezenove é corroborado pelo fictício Livro de Jaser, publicado em 1844 – um livro que alguns dizem que a Sra. White usou para extrair material para seus livros (ver o capítulo anterior). No relato do livro sobre a época antediluviana, encontramos estas palavras:

“E seus juízes e governantes iam às filhas dos homens, e pela força lhes tiravam as esposas aos maridos, segundo lhes parecia, e naqueles dias os filhos dos homens tomavam o gado da terra, as bestas do campo, e as aves do céu, e ensinavam a mescla de umas espécies de animais com outras...”

Sem se levar em conta as fontes, as afirmações da Sra. White deram lugar a algumas perguntas sérias. Por exemplo: Que raça é resultado do amálgama? A Sra. White disse que os resultados do amálgama podem ser vistos "em certas raças de homens." As pessoas começaram a perguntar: Quais raças são o resultado da amálgama?

As acerbas críticas contra Ellen White na década de 1860 obrigaram os dirigentes da igreja a tentar defender sua profetisa. Em 1868, quatro anos depois que as afirmações sobre amálgama apareceram impressas pela primeira vez, o dirigente adventista Urias Smith (que nesse tempo professava crer em Ellen White como profetisa) publicou sua ardente defesa de Ellen White. Nesse livro, Smith conjecturava que a união entre seres humanos e bestas havia criado raças como as dos "bosquímanos da África, algumas tribos de hotentotes, e talvez os índios digger de nosso próprio país, etc."

Tiago White revisou "cuidadosamente" o livro de Smith, antes que ele fosse publicado, e a seguir o recomendou em termos entusiásticos aos leitores da revista oficial da igreja, Review and Herald:

"A Associação acaba de publicar um panfleto intitulado The Visions of Mrs. E. G. White, A Manifestation of Spiritual Gifts According to the Scriptures [As Visões da Sra. E. G. White, uma manifestação dos dons espirituais segundo as Escrituras]. É escrito pelo redator da Review. Enquanto lia cuidadosamente o manuscrito, senti-me muito grato a Deus por nosso povo poder ter essa apta defesa daqueles pontos de vista tão amados e entesourados, enquanto outros os desprezam e a eles se opõem. Este livro está destinado a ter ampla circulação. — Tiago White.”

Tiago White explica com abundância de detalhes que Smith não publicou este livro sem uma cuidadosa revisão. É inconcebível que as afirmações acerca dos índios e bosquímanos da África passassem desapercebidas a Tiago White. Seu respaldo do livro indica que aprovava a explicação. Na realidade, porque estabelecia as afirmações da Sra. White, Tiago e Ellen levaram 2.000 exemplares do livro de Smith consigo para oferecê-los durante as reuniões ao ar livre [campais] aquele ano! Ao promover e vender o livro de Smith, os White puseram seu selo de aprovação a essa explicação da afirmação sobre o amálgama.

Apesar de que a explicação a respeito "dos bosquímanos da África" era o bastante boa para os White e para Smith, com o tempo perdeu favor com os dirigentes adventistas do sétimo dia. A afirmação voltou a ser publicada em 1870 no livro Spirit of Prophecy, Vol. 1, e continuou causando controvérsia. Tornava-se mais e mais difícil explicar essas afirmações dentro de uma denominação mais e mais educada e racialmente tolerante.

Conquanto Tiago e Ellen White, Urias Smith, o filho dela, W. C. White, e sua secretária, D. D. Robinson, nunca tivessem dúvidas de que, ao escrever, Ellen havia tido em mente o cruzamento entre seres humanos e animais, os ulteriores defensores da Sra. White em anos recentes empreenderiam grandes esforços para tentar convencer as pessoas de que o amálgama se referia ao matrimônio entre as raças – seres humanos com seres humanos. Contudo, esta explicação dava lugar a mais perguntas do que respostas. Como poderia o casamento entre as raças humanas desfigurar a imagem de Deus no homem? Como poderia um ser humano (criado à imagem de Deus) casado com outro ser humano (criado à imagem de Deus) deturpar a imagem de Deus? Se o matrimônio entre raças é "pecado" e "um aviltante crime," então por que nunca é assim descrito Bíblia? Muitos eruditos bíblicos creem que Zípora, a esposa de Moisés, era de uma raça diferente. Eram os filhos de Moisés, uma espécie amalgamada? Nesse caso, porque ofereceu Deus fazer dos filhos de Moisés uma grande nação? Por que não os destruiu Deus por cometer um crime aviltante?

Um crime aviltante é um ato de imoralidade vil. A Sra. White usa a frase "aviltante crime" só noutra ocasião em seus escritos. Usou a frase para descrever o vil intento da mulher de Potifar de cometer adultério com o jovem José. Como poderiam as relações matrimoniais entre as raças ser descritas como crimes vis ou aviltantes? Desde quando são crimes infames as relações sexuais entre os membros humanos de um casal no matrimônio? Não honra a Deus o matrimônio sejam ou não ambos da mesma raça ou religião? A Bíblia é muito clara em que as relações sexuais entre seres humanos e animais é um crime vil e infame. Esse crime é condenado na Bíblia como abominação (Levítico 18:23, 20:16) merecedora da pena de morte. O fato de que a Sra. White descreve o amálgama como um aviltante crime é evidência irrefutável de que ela se referia à bestialidade, não ao matrimônio entre seres humanos de diferentes antecedentes raciais.

Surgiram mais perguntas em vista da afirmação da Sra. White de que o amálgama foi a principal razão do dilúvio. Se a Sra. White está certa ao dizer que o amálgama era "um pecado acima de todo outro que atraiu a destruição da raça" por que esse pecado nunca foi mencionado em Gênesis? Moisés menciona os pecados de corrupção e violência (Gên. 6:11-13), mas nunca o de amálgama. É de se pensar que, se o amálgama foi "um pecado acima de todo outro" que trouxe o dilúvio, Moisés pelo menos o teria mencionado! Como pôde ter-se esquecido desse horrendo pecado sem mencioná-lo?

A afirmação tornou-se tão controversa que finalmente decidiu-se omiti-la quando o livro foi reimpresso em 1890 sob o título de Patriarcas e Profetas. Depois de ter o livro sido publicado, alguns adventistas observaram que faltavam as afirmações. A muitos isso pareceu uma admissão de que as afirmações eram realmente falsas. Os crentes na Sra. White perguntavam por que essas afirmações "inspiradas" haviam sido eliminadas da edição seguinte do livro. Se as afirmações acerca do amálgama eram certas, por que não foram deixadas no livro? Por que foram removidas? Se este pecado causou o dilúvio, as pessoas deviam inteirar-se disso para não repeti-lo.

Se os bosquímanos da África são o resultado da união entre seres humanos e animais, as pessoas têm o direito de saber. Que precedentes há para eliminar os escritos de um profeta? Nenhum dos profetas bíblicos teve que retroceder e alterar seus escritos para retirar afirmações. Por que tinha que fazê-lo a Sra. White?

A eliminação das afirmações relativas ao amálgama criou tal controvérsia que o White Estate decidiu ser importante proporcionar uma explicação das omissões. O filho de Ellen, W. C. White, tenta dar a explicação:

"Com relação aos dois parágrafos que se encontram em Spiritual Gifts e também em The Spirit of Prophecy concerentes ao amálgama, e a razão por que foram omitidos dos livros posteriores, e a pergunta quanto a quem assumiu a responsabilidade de omiti-los, posso falar com perfeita clareza e segurança. Foram omitidos por Ellen G. White. Ninguém relacionado com sua obra tinha qualquer autoridade sobre esse assunto, e nunca ouvi que alguém lhe oferecesse conselho em relação com isso.”

"Em todas as questões desse tipo, pode ter a certeza de que a irmã White era responsável por omitir ou acrescentar as questões desse tipo em edições posteriores de nossos livros.”

"A Sra. White não só tinha bom juízo baseado numa compreensão clara e abarcante das condições e as consequências naturais de publicar o que escrevia, como muitas vezes recebia instruções diretas do anjo do Senhor em relação com o que devia ser omitido ou acrescentado nas novas edições."

Nessa carta, W. C. White nos informa que é provável que um anjo dera instruções a Ellen White para omitir as afirmações sobre o amálgama na edição seguinte do livro. Isto dá lugar a outra pergunta: Por que não lhe deu o anjo instruções para omitir as linhas antes que fossem publicadas no primeiro livro? Com certeza, isto teria evitado muitas explicações, muita confusão, e muita controvérsia!

Os adventistas continuaram defendendo a afirmação acerca do amálgama como a união entre seres humanos e bestas até 1947, quando um biólogo adventista, o Dr. Frank Marsh, convenceu um painel de adventistas do sétimo dia de que isto não era possível. Isso ocorreu décadas depois que os cientistas haviam demostrado que o ser humano não pode cruzar com animais.


Nota: Todo segmento difusor de fé tem seu calcanhar de Aquiles (ou calcanhares?). O tema amálgama é sem solução para os ASD. Qualquer conclusão proposta será ruim. Teremos perda de credibilidade, em caso de negação da tese. Teremos racismo, em caso de sustentação da tese.

Enéias Teles Borges

17 de junho de 2010

Fábricas de deuses

Enéias Teles Borges

Engana-se quem pensa que os aglomerados da fé cristã promovem o mesmo deus. Não é possível que assim seja, pois se o deus cristão, difundido por muitos, fosse amoroso e onipotente conforme todos arrazoam, já teria posto um ponto final na história, de tal maneira, que todos o seguiriam como se houvesse um só rebanho e um só pastor. Não adianta apostar no futuro, dizendo que em determinado tempo, o mundo cristão será um só. O que se vê, sem qualquer sombra de dúvidas, são fábricas grandes, médias e pequenas que produzem e difundem deuses com o mesmo nome. São milhares de deuses, mas todos têm o mesmo nome: Jesus Cristo.

Engana-se aquele que pensa que o verdadeiro Jesus Cristo é aquele da sua agremiação, difusora da fé cega e da faca amolada (FCFA). Isso é humanamente e também "divinamente" impossível. Um deus de amor tão imenso odeia tanto o pecado quando essa confusão, que do mal decorre. Como ele não acaba logo com essa babilônia, sobra o óbvio que ulula: não existe harmonia, logo não se enxerga um Jesus Cristo verdadeiro. Todos os que estão por aí são caricaturas montadas à imagem das suas criadoras: as muitas fábricas de deuses.

O que existe de louvável em tudo isso é o que chamamos de liberdade religiosa. Todos têm o direito de fabricar, adorar e difundir. É a democracia da fé, promovida pelos homens.

Cada dia mais aquele que queira usar, de fato, a massa cinzenta que possui, haverá de se afastar e até mesmo de se enojar. Não há nojo pelos sinceros (e muitos cegos) que seguem, há asco imenso pelos fabricantes de divindades que se enriquecem e se regozijam sob a sombra dos altos muros das fábricas de deuses...

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12 de junho de 2010

O crente cretino

O crente cretino
Enéias Teles Borges


O crente é aquele que crê no que a sua religião ensina. Que acredita, que é persuadido. O que crê na sua religião. O cretino é aquele que, por deficiência mental ou orgânica, padece de incapacidade mental ou moral; retardado ou débil mental. Pessoa estúpida, imbecil, idiota; debilóide.

Moral: é possível conviver com o crente e também com o cretino. Faz parte do contexto humano. Horrível mesmo é conviver com o crente cretino...

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27 de abril de 2010

Comemore: você está certo!

Comemore: você está certo!
Enéias Teles Borges


Comemore pois você está certo! Você é um felizardo por estar certo! Esteve no lugar e hora certos! Celebre essa conquista pois você está certo! Durante muito tempo eu comemorei, com razão, o fato de estar certo. Julgava-me uma pessoa abençoada por ter nascido no lar certo, no país certo e na religião certa! Nasci certo, que maravilha!

Não importa a sua denominação religiosa, não importa a sua fé, não importa o seu deus: você está certo! Seu deus não permitiria que você nascesse, vivesse e morresse no erro. Ele não faria tamanha maldade! Viva e comemore, pois você está certo! Não importa se você é muçulmano, judeu, cristão ou de qualquer conglomerado religioso ocidental ou oriental: você está certo! Seu deus mostrou, pelos profetas e santos, que você é o remanescente, que você faz parte do povo escolhido, não tema e não trema: você está certo!

Desde cedo você aprendeu que tem a verdade e que os outros têm o erro. Claro que você está com a verdade! Como você é estudioso e analisou todas as possibilidades de fé e ainda continua no mesmo lugar a conclusão é simples: você continua no mesmo lugar simplesmente porque está certo!

E você, cristão brasileiro, comemore em alto e bom som! Não importa sua denominação. Não importa se é católico, protestante, pentecostal (...), você está coberto de razão! O deus que lhe mostrou o caminho, via profetas e santos, jamais permitiria que você ficasse na igreja errada! Você está certo!

Todos os demais são filhos das trevas e você é filho da luz. Você está certo! Claro que está certo, como não? Tudo mostra que você está certo e que você deve ficar onde sempre esteve: no lugar certo!

Essa é a grande contradição da fé coletiva: muitos pensam de forma diferente. São muitos os grupos de fé e todos se julgam o remanescente. Todos se julgam certos! Todos dizem que deus mostrou o caminho! Todos dizem que deus não permitiria que ficassem no erro...

Então vibre, emocione-se, esbalde-se e chore de alegria! Não importa qual a sua fé! Comemore: você está certo!

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