20 de novembro de 2010

A volta dos que não foram...

Ficamos felizes com o seu retorno!” Já ouviram frase assim? Ela geralmente é dita às pessoas que depois de algum tempo aparecem lá na comunidade dos fiéis. É como se uma ovelha desgarrada voltasse ao redil. O redil é um meio impregnado de tradição e julgamento baseado em comportamentos padronizados.

Normalmente a resposta que deve ser dada, por aquele ser que se ausentou conscientemente, deveria ser: “Não retornei porque nunca fui. Nunca fui porque jamais estive...” É claro que estou me referindo ao engajado racional. O engajamento racional é aquele vivido por indivíduo que admite ter nascido num contexto, gostar dele, mas que não atribui a este modo de viver o título de ser o único. Único no sentido de que os demais carecem de legitimidade. É lógico concluir, portanto, que se os demais carecem de legitimidade resta apenas o único. O único é justamente o tal redil.

É preciso exercitar a coragem antes de afirmar: “Não retornei porque nunca fui. Nunca fui porque jamais estive...” Reagir assim é assumir racionalmente que existe a possibilidade de simplesmente (e ideologicamente) ter nascido no lugar errado, se é que existe tal lugar. Reagir desta forma é ter disposição para conceder aos outros a possibilidade da legitimidade. O engajado racional, observando que o contexto no qual cresceu é bom (socialmente), que nele cresceu e que a ele se acostumou, faz da frequência a tal contexto um ato de prazer. Não havendo prazer ele se afasta e um dia reaparecerá com uma esperança: a de que aquele meio tenha voltado a ser agradável.

O que torna um contexto agradável? O lugar, as pessoas, os objetivos comuns, o respeito e quetais... Viver num contexto bom não significa, necessariamente, abraçar sua ideologia religiosa. É admitir que em geral os ambientes vividos por famílias religiosas são bons, assim como são bons os ambientes habitados por pessoas não religiosas e respeitadoras das regras do bom viver social. É algo cultural! A religião sem engajamento racional é apenas uma cultura de cunho religioso sistematizado. Nada mais que isso! É óbvio que para concordar com a esta assertiva é preciso enxergar além dos muros do castelinho dourado...

Isto posto concluo: aquele que reaparece num contexto político-social-religioso não retornou ideologicamente pelo simples fato de que nunca dele se foi. Quem não foi jamais poderia retornar. E porque não foi? Porque ideologicamente jamais esteve.

É algo como “estar de corpo presente, mas com a alma distante...”
 
 
Enéias Teles Borges
-

4 de novembro de 2010

Caixinha de porcelana

Os textos abaixo foram extraídos do blogue Convictos ou Alienados?, do mesmo editor deste aqui. Foram três postagens que alcançaram índice de leitura altíssimo. Reproduzo-o na íntegra. As postagens originais, naquele blogue, foram nos dias 11/12/13 de novembro de 2008.

Caixinha de porcelana - I

A caixinha de porcelana é um objeto bonito, mas frágil. A delicadeza dessa obra de arte cativa aos que a têm nas mãos ou apenas ao alcance dos olhos. Formosura, nostalgia e fragilidade.

A caixinha de porcelana, num plano figurado, é utilizada para descrever um mundo à parte do mundo real. Trata-se de um mundo maravilhoso. Oásis de sonhos cuja perspectiva remonta à poesia. Viver numa caixinha de porcelana é viver na ante-sala do paraíso. Quem vive lá? Poucos e felizes. Felizes e distantes do universo do entorno da mágica caixinha de porcelana.

O mundo na caixinha de porcelana é lindo, mas sua formosura não exclui sua fragilidade. O porém é que os habitantes da caixinha de porcelana não conseguem enxergar tal fragilidade. Fazem mais: não entendem porque as pessoas que moram fora da caixinha não entram nela. Por quê? Perguntam de forma insistente...

Os “aborígenes” da caixinha de porcelana não notam o óbvio: a caixinha é pequena. Não é possível que todos caibam nela. Os que moram nela não param para concluir que nem mesmo seus filhos têm guarida garantida lá...

Aqueles que lotearam a caixinha de porcelana nem se dão conta de que existe outro mundo lá fora. Mundo real e imenso. Mundo cheio de variações e derivações. Mundo cheio de gente. Gente com alma!

Por não se darem conta (dessa realidade) versam comentários acerca dos que moram no mundo cão! Consideram absurda a maneira como vivem os habitantes de fora. Esperam que todos tenham uma vida semelhante à forma como eles vivem - os “felizardos” habitantes do reino mágico da caixinha de porcelana.

Na caixinha vêem Deus. Lá fora enxergam o caos. Na caixinha vislumbram os céus. Lá fora, de binóculo, descortinam as mazelas do inferno. Na caixinha têm uma rotina doce e suave. Lá fora notam o absurdo da vida real...

Existe algo no reino dos que estão fora que não há no mundinho da caixinha de porcelana. Cá fora é possível ver de forma integral a formosura da caixinha de porcelana e também a sua fragilidade. Lá dentro é impossível enxergar o que ocorre cá fora. O que se consegue é detestar o mundo real como se este existisse apenas para obliterar o sol que lança seus raios...

Os que habitam a caixinha de porcelana vivem como se ignorassem a pujança daquele mundo aparentemente sem Deus, mas com vigor suficiente para elevar e destruir. Destruir inclusive a caixinha de porcelana...

Caixinha de porcelana - II

Olhando de cima para baixo é possível, para quem está fora da caixinha de porcelana, enxergar algo indescritível. Não existe apenas aquela caixinha. Existem muitas! Centenas! Milhares!

Todas com seus contextos próprios, regras próprias, costumes próprios. As caixinhas não se comunicam. É como se não soubessem da existência das demais ou como se as ignorassem. Em cada mundinho de porcelana o que vale mesmo é o que está por lá, somente ali.

A forma de acreditar em cada caixinha é fundamentada na confiança. Como todos os que residem em cada mundinho confiam nos seus líderes, neles depositam seus sagrados procedimentos. A convicção não tem como suporte o estudo diligente, individualizado e contextuado, mas o confiar em quem fala e instrui.

Principalmente por esse tipo de procedimento a caixinha de porcelana é frágil. Basta uma simples sugestão que denote a inconsistência dessa maneira de acreditar para que a linda caixinha se desfaça em milhões de pedaços.

E a caixinha, quando se despedaça, permite que os novos “moradores sem teto” enxerguem o que sempre existiu além daquela tênue fronteira: o mundo real com suas belezas e feiúras.

Eis a questão: é possível assistir à caixinha ruir e depois sobreviver conservando os mesmos princípios dantes valorizados e entronizados? É possível sobreviver à avalanche de novas informações que aparentemente conspiram contra ideais arraigados e ainda assim manter a suposta retidão que existia?

Os mundinhos de porcelana são estratagemas antigos atualizados e direcionados para a alienação coletiva das massas bem intencionadas e/ou ignorantes. Surgiram de propósito? Pode até ser que não, mas a conclusão negativa não obsta o que se pode ver e que sempre se viu: caixinhas e mais caixinhas de porcelana que existem como se fossem pequenos mundos, com regras próprias, métodos particulares e divindades sob medida.

Caixinha de porcelana - III

A pergunta que alguns podem fazer é essa: “Alguma coisa contra os grupos detentores de filosofia de vida fechada?” A resposta é: “Não!” Nada contra qualquer tipo de procedimento individual ou coletivo, desde que não atente contra os princípios básicos de civilização. Não é esse o ponto!

Acontece que os habitantes das caixinhas de porcelana têm um costume de determinar que o comportamento deles é o comportamento ético correto e que todas as demais pessoas da face da terra necessitam ser iguais a eles. Eis aí o grande problema! Partindo do pressuposto que existe certa razão nisso surge uma pergunta inquietante: em face da diversidade de caixinhas de porcelana, qual seria a que os povos deveriam adotar?

Não é um problemão?

Essa peculiaridade é a que mais incomoda no mundinho das caixinhas de porcelana. Cada caixinha se julga paradigma para as demais e para todos os que estão fora de qualquer tipo de caixinha. Comportamento correto? Justo? Inocente? Arrogante?

Uma caixinha de porcelana só tem acesso a uma única fonte referencial: ela mesma! Daí considerar que as demais são entes equivocados não seria um absurdo? Como dizer que as demais estão erradas? Partindo exclusivamente do pressuposto de que ela, caixinha em tela, está correta?

No mundinho da caixinha de porcelana o mundo real se confunde com o mundo ideal e aí podemos ver, de forma solidificada, a estante existente em cada caixinha de porcelana: a estante na qual estão acomodados os vidrinhos de pílulas. As pílulas alienantes que são oferecidas às criancinhas desde a mais tenra idade...

E tudo em nome de Deus? Pergunta que insiste em não calar...

Com esse terceiro tópico paramos, por hora, com esse assunto. Foram três textos sob o título “umbigo do mundo” e mais três sob o título “caixinha de porcelana”.

Agradeço a você, leitor amigo, pelo alto índice de aceitação.


Enéias Teles Borges - Autor
-